Foto: Vinicius Becker (Diário)
Agressões físicas e verbais que levaram ao fechamento temporário de unidades de saúde de Santa Maria trazem à tona dificuldades enfrentadas em alguns postos, como sobrecarga de trabalho, demanda maior do que a capacidade de atendimento e estruturas inadequadas ou deterioradas.
Em 45 dias, três episódios de violência foram registrados em postos das zonas Oeste e Sul - o último e mais grave ocorreu na Estratégia Saúde da Família (ESF) São Carlos, no Bairro Urlândia, inaugurada recentemente. Lá, uma enfermeira e a uma médica foram agredidas fisicamente com tapas, empurrões e xingamentos por uma paciente.
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ESF da Vila Rossi

Na Estratégia Saúde da Família Victor Hoffmann, na Vila Rossi, onde ocorreu um dos primeiros casos de agressão e o mais antigo, em 2022, a comunidade se mobilizou para pedir melhorias na estrutura e no acesso ao local. Um abaixo-assinado com mais de 250 assinaturas, organizado pelo morador Silvio da Rocha Silveira, relata alagamentos na entrada do prédio, paredes com mofo e reboco solto, além de uma rachadura de grande proporção na parede.

Nesta ESF, há uma única equipe de referência para 5.306 usuários, segundo a prefeitura. Isso corresponde a quase mil a mais do que o fixado pelo Ministério da Saúde, que é de, no máximo, 4,5 mil usuários por equipe.
O morador Silvio da Rocha Silveira conta ainda que o acesso à ESF, localizada na Rua Distrito Federal, é comprometido pela falta de pavimentação, resultando em barro e quedas de pacientes e de funcionários. Já os servidores relatam preocupação com o aparecimento de aranhas e cobras.
Em relação à agressão verbal ocorrida nesta ESF em 2022, a servidora, que prefere não ser identificada por medo de retaliação, diz que, desde o episódio, faz uso contínuo de antidepressivos e medicação para prevenir crises de pânico.
Na Vila Caramelo

Também na Zona Oeste, a ESF Roberto Binato, localizada na Vila Caramelo, foi outra unidade com registro de violência. Lá, o episódio é mais recente: em setembro, o posto de saúde fechou temporariamente por ameaça a uma recepcionista. Nas últimas duas semanas, nesta unidade, a mesma funcionária voltou a ser alvo de agressões verbais, sendo que um dos casos foi encaminhado à polícia, de acordo com a servidora.
Já sobre a estrutura da ESF, o líder comunitário Luiz Antônio Dias aponta goteiras, equipamentos danificados e uma parede deteriorada. Na parte externa da unidade, que atende 7.630 usuários com duas equipes, um muro que faz parte da estrutura está escorado por madeira.

Nova Santa Marta
Além desses três postos, a ESF Alto da Boa Vista, no Bairro Nova Santa Marta, suspendeu atendimentos no mês de setembro após situações de ameaça a um médico. O motivo do conflito, conforme funcionários, teria sido um desentendimento durante a distribuição de fichas. A notícia do afastamento da equipe mobilizou a comunidade que fez um protesto em frente ao posto.
O que diz a Secretaria de Saúde
A Secretaria de Saúde informou não possuir dados consolidados sobre o número de servidores agredidos. " Embora a Secretaria de Saúde acolha e registre as ocorrências de agressão, muitos casos são notificados diretamente às forças de segurança, como a Guarda Municipal e a Brigada Militar, o que torna um desafio a consolidação de um número único. Estamos trabalhando para aprimorar a integração desses registros junto à Secretaria de Gestão de Pessoas", informa a pasta.
Em entrevista à Rádio CDN (93,5 FM), na última quarta-feira, após a agressão na ESF São Carlos, o secretário de Saúde, Guilherme Ribas, detalhou que avalia a capacitação de "multiplicadores" para mediar conflitos nas unidades. Ele também estuda a implementação de protocolos de apoio e a possibilidade de testar um sistema de "botão do pânico", similar ao das escolas municipais.
– Estamos monitorando isso junto à Atenção Primária (...). Também buscamos aproximação com a Secretaria de Segurança, para criar fluxos de apoio quando ocorrem situações mais graves, envolvendo até a Guarda Municipal – afirma Ribas.
A REDE MUNICIPAL DE SAÚDE
Unidades de saúde X Serviços de pronto-atendimento
- Unidades de saúde (Estratégia Saúde da Família -ESFs - e Equipes de Atenção Primária - EAPs) são a porta de entrada do SUS e focam no acompanhamento contínuo da comunidade, com consultas agendadas, vacinas, pré-natal e prevenção
- Serviços de pronto-atendimento (PAs ou UPAs) atendem casos de urgência e emergência, seguindo o protocolo de Manchester, que classifica os pacientes por gravidade: vermelho (emergência) a azul (não urgente). Casos leves devem ser direcionados às Unidades de saúde
Número de usuários cadastrados nas ESFs e nas EAPs de Santa Maria, conforme dados de setembro:
Unidade | Equipes | Usuários cadastrados |
|---|---|---|
ESF Kennedy | 4 | 13.376 |
ESF Wilson Paulo Noal | 3 | 9.944 |
ESF Ruben Noal | 2 | 8.582 |
ESF Crossetti | 2 | 8.571 |
ESF Oneyde de Carvalho | 1 | 7.659 |
ESF Roberto Binato | 2 | 7.630 |
ESF Itararé | 2 | 6.772 |
ESF São Carlos | 2 | 6.639 |
ESF Centro Social Urbano | 2 | 6.596 |
ESF Walter Aita | 3 | 6.371 |
ESF São José | 2 | 6.317 |
ESF Alto da Boa Vista | 2 | 5.818 |
ESF São Francisco | 2 | 5.553 |
ESF Dom Antônio Reis | 1 | 5.380 |
ESF Victor Hoffmann | 1 | 5.306 |
ESF Nova Santa Marta | 1 | 5.057 |
ESF Waldir Mozzaquatro | 2 | 4.717 |
ESF Lídia | 1 | 4.411 |
ESF Floriano Rocha | 2 | 4.378 |
ESF Santos | 1 | 4.202 |
ESF Parque Pinheiro | 1 | 3.889 |
ESF Joy Betts | 1 | 3.727 |
ESF Passo das Tropas | 1 | 3.566 |
ESF Bela União | 1 | 3.450 |
ESF Maringá | 1 | 3.351 |
ESF São João | 1 | 2.499 |
ESF Estação dos Ventos | 2 | 2.028 |
ESF Felício Bastos | 1 | 1.995 |
ESF Arroio do Só e Pains | 1 | 1.526 |
ESF Santo Antão | 1 | 1.395 |
EAP Prisional | – | 1.304 |
EAP Móvel | – | 1.275 |
Casos de agressões
- ESF Alto da Boa Vista (Setembro último) - Após uma discussão com um médico por causa da distribuição de fichas para exames, a secretaria se reuniu com a comunidade e o laboratório, aumentando o número de coletas diárias
- ESF Roberto Binato (Setembro) - Depois de uma agressão verbal a uma recepcionista, foi realizada uma reunião com a comunidade e a equipe, resultando no reforço do atendimento na recepção
- UBS São Carlos (Outubro) - No caso mais recente, de agressão física a uma enfermeira, o conflito teria ocorrido por um atraso na consulta e a solicitação de um atendimento extra não agendado
- ESF Vitor Hofmann - Uma enfermeira relatou à reportagem ter sido agredida fisicamente em 2022 durante o trabalho em uma unidade de saúde. Segundo ela, o episódio resultou em transtorno depressivo e de pânico. A profissional afirmou que não há presença de guarda municipal nas unidades e que novas situações de hostilidade têm ocorrido, inclusive com pacientes gritando durante atendimentos.
O que diz a legislação
Agressão é prevista no Código Penal como crime de lesão corporal (Art. 129) quando ofende a integridade corporal ou a saúde de alguém. As penas variam de detenção de 3 meses a 1 ano para lesões leves, podendo ser aumentadas em caso de lesões graves ou gravíssimas, com reclusão de até 8 anos. Desacatar (Ar. 331) funcionário público no exercício da função ou em razão dela tem pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, conforme o Código Penal
Medidas estudadas pela Secretaria de Saúde
- Capacitação de multiplicadores - A ideia é identificar servidores com perfil de mediação dentro das unidades e capacitá-los para intervir e "reduzir o conflito" antes que vire uma agressão. "Multiplicadores são pessoas com perfil de mediação. A Secretaria de Segurança buscará formas de capacitá-los, para quando começar um conflito, eles conseguirem mediar", explicou o secretário de Saúde, Guilherme Ribas
- Protocolos de apoio - Estabelecer fluxos claros para que as equipes saibam como agir e a quem recorrer quando precisarem de apoio em situações de risco
- Botão do pânico - O secretário mencionou a possibilidade de testar um sistema de botão do pânico, semelhante ao utilizado em escolas, começando pelos Centros de Atenção Psicossocial
Campanhas de conscientização - Realizar ações de comunicação para reforçar a importância do respeito mútuo entre comunidade e servidores. "As unidades trabalham para a população, mas para a comunidade ter atendimento, precisa dos trabalhadores", disse Ribas
Secretaria de Saúde fala sobre estrutura das ESFs

O secretário de Saúde de Santa Maria, Guilherme Ribas, afirma que a reforma ou ampliação da ESF Victor Hoffmann consta como "prioritária". Ele reconheceu a necessidade de melhorar a acessibilidade e explicou que a unidade foi construída abaixo do nível da rua, o que a deixa suscetível a inundações - e que rachaduras surgiram após uma ampliação antiga.
– A equipe mínima está completa, mas o território tem cerca de 5.300 pessoas, acima do que é preconizado, que é de 4 mil. Por isso, avaliamos uma ampliação futura para duas equipes. Isso será resolvido dentro desta gestão – garante o secretário.
Sobre unidades de saúde atenderem acima de sua capacidade, como a Estratégia Saúde da Família Victor Hoffmann, o secretário de Saúde, Guilherme Ribas, concorda que o número está "um pouco mais de pessoas do que é preconizado pelo Ministério da Saúde", mas pondera que isso "não quer dizer que a unidade não dê conta do território".
– É uma equipe mínima completa. Essa equipe não tem falta de profissionais. (...) nós vamos ter que avaliar para ter uma estrutura um pouco maior e conseguir ter uma ampliação de uma estratégia para duas estratégias naquele território, mas isso não é uma avaliação que está sendo feita imediatamente. Mas digo, vai ser resolvido nesta gestão – reforça Ribas, que, há nove anos, trabalha atua em cargos de gestão na Secretária de Saúde.
Já sobre a ESF Roberto Binato, Ribas afirma que é o segundo ano que a secretaria espera ser contemplada via PAC Seleções para a construção de uma nova unidade, o que ainda não ocorreu. O secretário confirmou ainda que busca aumentar em mais uma equipe e aguardar o programa do governo federal.
– A Binato é uma das prioridades da Secretaria, tanto que buscamos contemplação pelo PAC Seleções. No entanto, em 2024, quem foi contemplada foi a Dom Antônio Reis. Estamos tentando novamente que a Binato seja incluída, pois é uma unidade essencial. Nosso objetivo é realocar esta estrutura e, futuramente, ampliar o atendimento no território, com possibilidade de instalação de três equipes de ESF – promete.